Quais são as Obras Básicas?
Temos percebido que no Espiritismo há uma certa
indefinição do que vem a constituir as suas obras básicas. Quem, por exemplo,
tiver a curiosidade de pesquisar na Internet sobre isso, verá que a confusão se
instalou no Movimento Espírita, tal qual uma nova torre de Babel.
Querem uns, inclusive, esses não são poucos,
relacioná-las ao vocábulo usado pelas correntes religiosas tradicionais para
designar um conjunto de livros sagrados, que acreditam conter as revelações
divinas, atribuindo-as o nome de “Pentateuco” da Codificação Espírita. Vemos
nessa atitude certa incoerência, mas como, infelizmente, muitos não conseguem
se desligar do que aprenderam em suas religiões de origem, acabam, se não
intencionalmente, pelo menos de forma inconsciente, trazendo para o nosso meio
palavra nunca dita ou mencionada pelo Codificador.
Nem mesmo as Instituições, que se dizem
representantes do Movimento Espírita, falam a mesma língua, demonstrando, a
nosso ver, falta de unidade e coerência Doutrinária. Deixam-nos sem amparo para
definir quais livros, publicados por Kardec, devem fazer parte do conjunto de
livros que se convencionou chamar de obras básicas.
Por estar assim sem definição é que há gente, por
exemplo, que só cita o livro O que é o
Espiritismo, como se nele estivesse todo o corpo da Doutrina, apesar da
clareza de Kardec em situá-lo como uma obra que apenas “contém sumária exposição dos princípios da Doutrina Espírita, um
apanhado geral desta, permitindo ao leitor apreender-lhe o conjunto dentro de
um quadro restrito”1.
Muito embora nós lhe reconhecemos a importância, principalmente, para os que
não têm noção do Espiritismo, citar somente ele seria imaturo, pois, aos que
querem se informar da Doutrina, os outros livros também deverão ser estudados
para uma visão mais ampla e, ao mesmo tempo, pormenorizada dos princípios
Espíritas.
Geralmente vemos pessoas e Instituições Espíritas
citando como obras básicas: O Livro dos
Espíritos, O Livro dos Médiuns, Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese e O Céu e o Inferno. E, raras vezes, aparecem referências às Obras Póstumas, à Revista Espírita e ao O que é
o Espiritismo?, e quando isso ocorre são colocados num segundo plano, como
obras complementares, que não seria necessário, mas apenas seria bom lê-las.
Pensando nisso resolvemos, como se diz, “beber água
na fonte” para ver se poderíamos encontrar essa definição no que escreveu o
Codificador. Vejamos o que Kardec nos fornece como roteiro para estudo.
Em julho de 18591,
Kardec recomenda, aos que querem se esclarecer sobre o Espiritismo, que se deve
estudar primeiramente o resumo contido no livro O que é Espiritismo?, justificando: [...] nesta rápida exposição fomos levados a indicar os pontos que deve,
particularmente, fixar-se a atenção do observador. A ignorância dos princípios
fundamentais é a causa das falsas apreciações da maioria daqueles que julgam o
que não compreendem ou segundo suas idéias preconcebidas.
Na seqüência, para os que desejam saber
mais, diz: [...] ler-se-á O
Livro dos Espíritos, onde
os princípios da doutrina estão completamente desenvolvidos; depois, O
Livro dos Médiuns para
a parte experimental, destinado a servir de guia para aqueles que querem operar
por si mesmos, como para aqueles que querem se inteirar dos fenômenos. Vêm, em
seguida, as diversas obras onde estão desenvolvidas as aplicações e as
conseqüências da doutrina, tais como: A Moral do Evangelho Segundo o
Espiritismo, O Céu e o Inferno Segundo o Espiritismo, etc.
Voltando ao assunto, em janeiro de 18612, aconselha, aos que
querem adquirir as noções preliminares sobre o Espiritismo, que leiam, nesta
ordem:
1º - O que é o Espiritismo? Esta brochura, de uma centena de
páginas somente, contém sumária exposição dos princípios da Doutrina Espírita,
um apanhado geral desta, permitindo ao leitor apreender-lhe o conjunto dentro
de um quatro restrito. Em poucas palavras ele lhe percebe o objetivo e pode
julgar do seu alcance. Aí se encontram, além disso, respostas às principais
questões ou objeções que os novatos se sentem naturalmente propensos a fazer.
Esta primeira leitura, que muito pouco tempo consome, é uma introdução que
facilita um estudo aprofundado.
2º - O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina completa, como a
ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas
conseqüências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no
conhecimento da natureza dos Espíritos e aos mistérios da vida de além-túmulo.
Quem o lê compreende que o Espiritismo objetiva um fim sério, que não constitui
frívolo passatempo.
3º - O Livro dos Médiuns. Destina-se a guiar os que queiram
entregar-se à prática das manifestações, dando-lhes conhecimento dos meios
próprios para se comunicar com os Espíritos. É um guia, tanto para os médiuns,
como para os evocadores, e o complemento de O Livro dos Espíritos.
4º - A Revue Spirite. Variada coletânea de fatos, de
explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas
duas obras precedentes, formando-lhes, de certo modo, a aplicação. Sua leitura
pode fazer-se simultaneamente com a daquelas obras, porém, mais proveitosa
será, e, sobretudo, mais inteligível, se for feita depois de O Livro dos
Espíritos. Isto pelo que nos diz respeito. Os que desejam tudo conhecer de
uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a
matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único
autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias,
inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.
No mês seguinte3, há uma importante fala
de Kardec, sobre as publicações das comunicações espontâneas na Revista Espirita, que vem, com certeza,
justificar o porquê da recomendação de sua leitura. Leiamos:
O que lhe dá essa opinião é que a grande
quantidade de matérias, e a necessidade de coordená-las, permitem muito
raramente publicar todas essas questões no número da Revista onde elas são mencionadas no boletim; mas, cedo ou tarde,
nela encontram o seu lugar. Aliás, elas constituem um dos elementos essenciais
das obras sobre o Espiritismo; foram aproveitadas em O Livro dos
Espíritos e em O Livro
dos Médiuns onde estão classificadas segundo o seu objeto, e nenhuma
daquelas que são essenciais foi omitida. [...].
Ressaltamos que, segundo o próprio Kardec, as
comunicações espontâneas que foram publicadas da Revista “constituem um dos
elementos essenciais das obras sobre o Espiritismo”, citando os dois livros em
que foram aproveitadas.
Em janeiro de 18684, cerca de pouco mais
de um ano antes de sua morte, Kardec reafirma, que se encontra na Revista Espírita:
“em forma de esboços, a maioria das idéias desenvolvidas aqui nesta obra,
conforme o fizemos, com relação às anteriores”, conclui dizendo que “A Revue,
muita vez, representa para nós um terreno de ensaio, destinado a sondar a
opinião dos homens e dos Espíritos sobre alguns princípios, antes de os admitir
como partes constitutivas da doutrina.
Vale a pena lembrar o
conselho de Herculano Pires5, que estendia a necessidade de estudo
também à Revista Espírita:
[...] Precisamos de estudar Kardec intensamente, de assimilar os ensinos
das obras básicas, de mergulhar nas páginas de outro da “Revista Espírita”, não
apenas lendo-as, mas meditando-as, aprofundando-as, redescobrindo nelas todo o
tesouro de experiências, exemplos, ensinos e moralidade que Kardec nos deixou.
[...]
Concluímos que se básico significa “que ou o que serve de
base, de fundamento; basilar, fundamental” (Houaiss), então, pelo que
pudemos perceber das próprias recomendações de Kardec, teremos que
discriminá-las assim: O que é o Espiritismo, O
Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, A
Gênese, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A
Revista Espírita. As essas acrescentaríamos, por nossa conta, o livro Obras
Póstumas, por ser uma publicação de escritos inéditos de Kardec. Se daí
quiserem dividi-las em “de iniciação”, “importantes” e “complementares”, não
faz a menor diferença, desde que, obviamente, a leitura de todas elas seja
recomendada e não como se faz atualmente, restringindo-as em apenas cinco.
E aos que somente lêem a primeira obra doutrinária
publicada, achando que tudo está nela, transcrevemos essa esclarecedora fala de
Kardec6: “O Livro dos
Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe
as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo
estudo e pela observação”.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Notas:
[1] KARDEC, A. O
que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001, p. 149.
[2] KARDEC, A. O
Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p. 52-53.
[3] KARDEC, A. Revista
Espírita 1861. Araras-SP: IDE, 1993, p. 35.
[4] KARDEC, A. A
Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p. 17.
[5] PIRES, J. H. Na hora do testemunho. São
Paulo: Paidéia, 1978, p. 19.
[6] KARDEC, A. Revista Espírita 1866.
Araras, SP: IDE, 1993, p. 223.
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