Allan Kardec
Desde a juventude, Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard
Rivail, nascido em 3 de outubro de 1804, em Lyon, na França, já manifestava uma
profunda preocupação com a educação da sociedade. Chegou a substituir o mestre
Pestalozzi na escola de Yverdun, na Suiça e retornou a Paris, em 1828, cheio de
sonhos e de projetos.
Lecionou diversas disciplinas e popularizou o método pedagógico do
mestre, revolucionário para a época. Fundou escolas e reformou o ensino francês
com seus livros e manuais didáticos.
Foi um dos pioneiros, na França, no campo do ensino para ambos os sexos,
especialmente para as mulheres, relegadas a segundo plano pelo sistema de
ensino. Chegou a ministrar vários cursos gratuitos em sua residência, fundou
escolas e dedicou toda sua vida à educação.
Após estudar o magnetismo desde a juventude, em 1854, aos 50 anos de idade,
toma contato com os fenômenos mediúnicos, as chamadas mesas girantes. Sua
genial perspicácia o fez perceber que por trás daqueles fenômenos,
aparentemente pueris, se ocultava a explicação para muitos problemas
existenciais considerados insolúveis.
Dali, adaptando o método experimental das ciências, extraiu uma
filosofia laica e espiritualista de bases experimentais, uma ciência de
observação, toda uma ética de princípios voltada para o progresso moral e
social. Não se limitou à constatação do fato, como o fizeram depois dele os
metapsiquistas e parapsicólogos. Foi muito mais além. Estruturou uma filosofia
científica que denominou de Espiritismo e criou uma terminologia toda própria,
adequada aos fenômenos medianímicos. Elaborou um método, também conhecido como
kardecismo, e inseriu essa nova corrente de pensamento no cenário cultural da
França e do mundo, em 18 de abril de 1857, com o lançamento de O Livro dos
Espíritos, que assinou com o pseudônimo de Allan Kardec. Segundo
informações de Espíritos que o auxiliaram na elaboração do Espiritismo, esse
nome teria sido o de uma encarnação ao tempo dos celtas, como druida.
Longe de ser uma doutrina para iniciados, com hierarquias e concepções
esotéricas e dogmáticas, o Espiritismo logo se mostrou como uma corrente
filosófica espiritualista, progressista e progressiva, comprometida com o
processo de evolução intelecto-moral da humanidade. Em seu tempo, Kardec era
conhecido como o Fundador do Espiritismo, mas também, até
pejorativamente, de O Professor Socialista, não no sentido ideológico do
termo, mas no de ser um intelectual e pedagogo preocupado com questões de
natureza social, relacionadas à educação integral do homem e da sociedade.
Em toda a obra Kardequiana podemos observar o comprometimento de Kardec com o
social, como nessa afirmação categórica na conclusão do artigo Liberdade,
Igualdade, Fraternidade (in Obras Póstumas, 1890): “A aspiração por
uma ordem superior de coisas é indício da possibilidade de atingi-la. Cabe aos
homens progressistas ativar esse movimento pelo estudo e a aplicação dos meios
mais eficazes”.
Em outro artigo, o Fundador do Espiritismo analisa de modo mais
aprofundado as causas morais de muitos conflitos sociais, e sustenta com
firmeza sua tese de que o egoísmo e o orgulho originam boa parte das misérias
deste mundo: “para que os homens vivam como irmãos, não basta pregar-lhes
lições de moral, é preciso destruir as causas do antagonismo entre eles e
combater o que dá origem ao mal: o orgulho e o egoísmo. É este o flagelo em que
devem concentrar toda a atenção aqueles que realmente desejam o bem da
Humanidade. Enquanto subsistir esse obstáculo, verão paralisados seus esforços, não só pela
resistência da inércia como pela de uma força ativa que trabalhará sem cessar
para destruir sua obra, porque toda ideia grande, generosa e emancipadora
arruína as pretensões pessoais” (O Egoísmo e o Orgulho, Obras Póstumas).
Para o Espiritismo, o processo histórico é evolutivo e avança quando
entram em choque os interesses de grupos antagônicos entre si, gerando os
conflitos sociais, necessários ao progresso da Humanidade. Kardec, sensível a
essa ideia a desenvolve e observa que “em todas as épocas da História, às
grandes crises sociais se seguiu uma era de progresso. Opera-se presentemente
um desses movimentos gerais, destinados a realizar uma remodelação da
Humanidade. A multiplicação das causas da destruição constitui sinal
característico dos tempos, visto que elas apressarão a eclosão dos novos
germens. São as folhas cheias de vida, porquanto a Humanidade tem suas
estações, como os indivíduos têm suas várias idades. As folhas mortas da
Humanidade caem batidas pelas rajadas e pelos golpes de vento, porém, para
renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se
purifica.” (A Geração Nova, A Gênese).
A preocupação com o poder também não ficou de fora das conjecturas de
Allan Kardec. Ele defendia a tese de que no seu exercício é fundamental, além
do preparo intelectual, a moralidade. Em termos práticos, essa ideia consubstancia-se no que denominou de aristocracia intelecto-moral,
composta por um corpo dirigente animado por sentimentos de justiça e de
caridade. Segundo Kardec, o Espiritismo é o precursor dessa aristocracia do
futuro em função de seu poder de moralização: “Sendo uma potência como
filosofia, o Espiritismo, neste nosso século da razão, só teria a perder se
pretendesse transformar-se em poder temporal. Não será portanto ele que irá
organizar as instituições sociais do mundo regenerado, mas os próprios homens,
levados por suas idéias de justiça, de caridade, de fraternidade e
solidariedade desenvolvidas por efeito de sua nova crença.” (Questões e
Problemas, Obras Póstumas).
Nos últimos anos de sua vida, preocupado com a continuidade do
Espiritismo, elaborou todo um programa organizacional de estruturação e
propagação da Doutrina, que ainda hoje serve de modelo para os espíritas
seguidores de suas idéias. Um de seus últimos desejos foi a estruturação de uma
espécie de comunidade espírita, que seria construída em um terreno de sua
propriedade, que deixou para tal empreendimento.
Kardec foi, portanto, um intelectual orgânico, ou
seja, um pensador humanista voltado para a práxis, empreendedor e ativista.
Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a Revista
Espírita, escreveu cerca de 30 obras num curto espaço de 12 anos. Viajou
por toda a França divulgando a ideia espírita através de conferências e incentivou
a criação de grupos de estudos espíritas por toda a Europa. Foi um grande
idealista, comprometido com a educação e a construção de uma nova sociedade,
alicerçada em bases morais. Desencarnou em Paris, em 31 de março de 1869,
deixando uma obra que ainda está por ser integralmente assimilada pelas novas
gerações.
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