Uma Proposta Pedagógica Espírita
Se o espiritismo
entende o percurso da alma humana através do tempo, como um processo educativo,
deflagrado por Deus, compreendido como Pai, então deve haver uma pedagogia
divina. Esta pedagogia tem três parâmetros:
1) A
liberdade: fomos lançados livres no universo, com o direito e o dever de
construirmos a nós mesmos e cultivarmos as sementes de divindade que trazemos
em nós;
2) A ação:
somos livres, para agir no mundo e é através da ação, que promovemos o nosso
aprendizado, experimentando situações e vivências, em diversas vidas, até
adquirirmos sabedoria e virtude;
3) O amor: embora
Deus tenha nos criado livres para agir, não nos deixou ao abandono, cerca-nos
com seu amor incessante, enviando seus mensageiros, para ensinar ao homem a
verdade e o bem, colocando ao nosso lado Espíritos que nos amam e orientam e
intervindo junto a nós como Providência, que nos acompanha.
São esses três
princípios, pois, que podemos erigir como fundadores de uma proposta pedagógica
espírita: respeitar a liberdade e a individualidade da criança, que deve agir
para aprender (e isso vai desde a aplicação prática de fórmulas matemáticas até
o exercício das virtudes), mas essa ação livre deve ser acompanhada pelo amor
dos educadores, empenhados em incentivar e cultivar o lado bom dos educandos,
com atenção, diálogo, observação e autoridade moral.
Dentro dessa
filosofia educacional, como se apresenta o ensino da religião?
O espiritismo
reconhece que a dimensão espiritual do ser humano é essencial para o seu
desenvolvimento integral. Ao mesmo tempo, Kardec não queria que a doutrina
espírita tivesse um caráter proselitista (embora isso nem sempre seja seguido
por seus adeptos), pois o respeito à liberdade de consciência é quesito
absoluto da ética por ele proposta. Herculano Pires (que lutou na década de 60,
pela escola laica, gratuita e obrigatória), diante da necessidade de se
recuperar o aspecto espiritual na educação, propõe que:
“…não podemos ter Educação sem Religião, o sonho da Educação Laica
não passou de resposta aos grandes equívocos do passado (…). O laicismo foi
apenas um elemento histórico, inegavelmente necessário, mas que agora tem de
ser substituído por um novo elemento. E qual seria essa novidade? Não,
certamente, o restabelecimento das formas arcaicas e anacrônicas do ensino
religioso sectário nas escolas. Isso seria um retrocesso e portanto uma negação
de todas as grandes conquistas (…). Reconhecendo que a Religião corresponde a
uma exigência natural da condição humana e a uma exigência da consciência
humana, e que pertence de maneira irrevogável ao campo do Conhecimento, devemos
reconduzi-la à escola, mas desprovida da roupagem imprópria do sectarismo.
Temos de introduzir nos currículos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina
Religião ao lado da Ciência e da Filosofia. Sua necessidade é inegável, pois
sem atender aos reclamos do transcendente no homem não atingiremos os objetivos
da paidéia grega: a educação completa do ser para o desenvolvimento integral e
harmonioso de todas as suas possibilidades.” (PIRES, 1985:40)
Bibliografia:
AUGUSTIN. A Work on the Proceedings of
Pelagius. 415. http://www.ccel.org/fathers/NPNF1-05/c5.1.htm
JOHNSON Paul. História
do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
KARDEC, Allan. Obras
póstumas. São Paulo, Edicel, 1971.
ORIGÈNE. Traité des principes. Paris,
Études Augustiniennes, 1976.
PIRES, J. Herculano. Pedagogia
Espírita. São Paulo, Edicel, 1985.
RIVAIL, H.-L.-D. Textos
pedagógicos. Tradução Dora Incontri. São Paulo, Comenius, 1997.
RUBENSTEIN, Richard E. Le jour où Jésus devint Dieu. Paris, Éditions la
Découverte, 2001.
WILLIAMS, Kevin. Christian reincarnation, the long forgotten
doctrine. 2002.
http://www.near-death.com/origen.html
[1] Essa era a tese de José
Herculano Pires, um dos grandes intérpretes do espiritismo no Brasil e
defensores da pedagogia espírita. Essa foi a tese que pretendi demonstrar em
meu doutoramento: INCONTRI, Dora. Pegadogia espírita, um projeto brasileiro
e suas raízes histórico-filosóficas. Tese de doutorado. São Paulo, FEUSP,
2001.
[2] Há polêmica em torno na
posição de Orígenes, mas lendo suas obras, fica clara a sua defesa, tanto da
reencarnação, quanto da salvação universal: “Deus, pai do universo, tudo
organizou, segundo o reino inefável de seu Verbo e Sabedoria, em vista da
salvação de todas as suas criaturas… (ORIGÈNE, 1976:81) ou ainda “Detivemo-nos
sempre a demonstrar que a providência de Deus, que dirige todas as coisas
segundo a justiça, conduz também as almas imortais pelas leis mais justas,
adaptadas aos méritos e às responsabilidades de cada um; pois o plano de Deus
para o homem não está fechado nos limites da vida deste século, mas um estado
anterior de méritos fornece sempre a causa do estado que se segue; assim,
graças à lei imortal e eterna de eqüidade e graça no governo da divina
providência, a alma imortal é levada à perfeição suprema.” (ORIGÈNE
1976:167)
[3] Expliquei a posição de
Jesus no espiritismo da seguinte maneira: “Não sendo o Ser Supremo do
Universo (aliás, desde a época da formulação do dogma da Trindade, esse
universo se expandiu infinitamente e se aceitamos a existência de Deus, e a sua
presença, governo e poder entre bilhões e bilhões de galáxias e em meio a
prováveis inúmeras humanidades, fica mais difícil aceitar a idéia de uma
encarnação sua na Terra), Jesus Cristo não se vulgariza com isso, tornando-se
apenas mais um homem entre outros tantos. Ele seria o Espírito que já atingiu a
perfeição como todos nós atingiremos um dia, segundo a lei da evolução.
Portanto ele é a realização daquilo de que somos ainda potência. É a meta a ser
atingida, por um processo de educação do espírito, nas sucessivas existências.”
(INCONTRI, 2001)
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